sábado, 23 de agosto de 2008

Bom, como esse pós-blog-diário-de-gravação já virou um pré-nada-e-um-pós-coisa-nenhuma, vou interromper o fluxo narrativo da produção "tão bem organizado e cronológico" que eu vinha mantendo, para registrar um momento especial que aconteceu segunda-feira: o encontro do poeta Thiago de Mello com Fernando Fiúza.

Acho que ainda não falei, mas nós entrevistamos o Thiago de Mello no rio de Janeiro, há uns dois meses atrás. Autor de clássicos como o "O Estatuto do Homem" e "Faz escuro mas eu canto", Thiago é um dos grandes amigos de Nando.

Bom, cá estou de volta, embora ninguém tenha percebido que eu saí. É que essa maravilha da tecnologia, esse ápice do desenvolvimento humano, que gentilmente chamamos de micro, acabou de travar e, irritado, desliguei tudo. E, quando voltei aqui, para minha surpresa, o blog tinha gravado tudo o que eu já tinha escrito.

Sabem aquela sensação de desconforto que temos quando estamos em uma deliciosa viagem e ela é interrompida por um pneu que fura? Pois é, é o que me invade agora. E prá aproveitar a irritação, tem duas coisas que me irritam profundamente em qualquer forma de produção artística: a pieguice e o medo dela. (não desistam, porque isso tem a ver com o que comecei acima).

A pieguice, por motivos óbvios: é como alguém que se propõe a limpar a piscina que está um ano fora de uso, passa uma peneirinha na superfície e se convence de que o trabalho tá pronto. É o clássico "Lodo nos olhos" (que aliás, dá um bom nome prá alguma coisa), ou "olhar de morcego", que acha feio o que não é espelho e nem é som. Surrealismos, à parte, não precisamos ir muito além com essa irritação.

A outra forma (bem mais irritante, aliás), o medo da pieguice é um dos principais razões da atual fase de asfalto que passa a produção artística moderna. Não sei se asfalto é a melhor palavra, aliás, eu sei que não é, mas como eu morro de medo de ser piégas, eu tenho que usar uma palavra que não me significa muito (e, provavelmente, não vai significar muito para outros) mas ela vai me dar a margem para argumentar que burro é quem não entendeu e não quem não teve coragem de lamber o lodo do fundo da piscina. Deu prá entender?

Tudo de melhor que é feito ou já foi feito de arte em todos os tempos está sempre na fronteira entre o ridículo e o genial e aí que chegamos na reunião do Thiago com o Nando. Naquela reunião de um poeta (poeta mesmo, daqueles que carrrega consigo o estandarte da poesia e que conversa em versos métricos) de uns oitenta e poucos anos e uma artista plástico que, quando está em um hospital, passa a maior parte do tempo desenhando as enfermeiras com seus sorrisos e olhares curiosos. (é ponto mesmo)

O parágrafo tava ficando meio grande aí resolvi parar onde estava. Liberdade poética ou mesmo cansaço e sono excessivos. Quando o texto começa a parecer conversa de bêbado, tá na hora de parar. Apesar de eu, como meu único leitor, ter certeza de que vou ficar irritado ao ler essa postagem incompleta amanhã.

Abraços

Carlos Canela

domingo, 10 de agosto de 2008

Você quer arte prá quê?

Bom, já deu para perceber que não consegui continuar no dia seguinte. É engraçado essa sensação de estar conversando com ninguém que rola quando estou escrevendo aqui. Principalmente por não ter uma frequência nas publicações, acho que algum aventureiro que por acaso aparecer aqui vai acabar desistindo na próxima visita em que ele verificar que está tudo igual como era antes.

Bom, o que eu estava falando antes sobre a adoração meio que incondicional pela inexplicabilidade da arte, sempre me incomodou e agora mais recentemente tem incomodado mais ainda. Isso porque atualmente (nos últimos 10 anos pelo menos) eu tenho me envolvido muito com projetos culturais, essencialmente filmes, e também projetos relacionados a política cultural.

E se tem uma coisa que é irritante (ou talvez não irritante, mas incômoda) é quando alguém está apresentando uma justificativa para a necessidade de determinado projeto cultural e a argumentação é completamente vaga, cheia de floreios filosóficos que seriam lindos como uma obra de arte, mas meio que ineficientes como estratégia de convencimento, principalmente quando envolve uma maior quantidade de recursos.

Todo mundo sabe que a arte é importante, e todo mundo, mesmo que não admita, sente a sua falta, mas ela sempre fica associada mais a momentos de lazer e-ou prazer do que a algo mais indispensável para a sobrevivência.

Há pouco tempo atrás, em um projeto que propunha a criação de uma Agência Nacional do Audiovisual, já era evidente essa carência de argumentação. Enquanto os artistas gritavam que a arte era "essencial para o desenvolvimento do espírito humano", o presidente da Globo bradava que o projeto geraria um prejuízo de X milhões de reais por Mês. E o projeto foi, obviamente, massacrado pelos grandes milionários da produção audiovisual do país e fora dele.

Nosso ex-ministro da cultura Gilberto Gil certa vez disse que "o povo sabe o quer mas também quer o que não sabe". Isso, além de ser de uma beleza e de uma precisão extrema, diz muito do sentimento nosso com relação a todas as formas de arte.

Mas como fazer para convencer algum líder político, com toda a sensibilidade de um tiranossauro rex, que, ao invés de construir 50 escolas ele deve gastar esse dinheiro com a produção de um filme de longa metragem, a construção de um museu ou o apoio a um festival de música?

Eu sei que já deve ter gente irritada com o que estou dizendo aqui (pressupondo que alguém esteja lendo isso), mas eu já vi várias pessoas que vivem de fazer arte e que também acham que a arte realmente não é tão necessária assim.

Como eu sou radical nessa posição de que a arte deveria estar incluída na pirâmide de necessidades essenciais humanas, em algum lugar entre a necessidade de alimentação, sexo e abrigo, acho que a abertura de uma possibilidade maior de argumentação quando estivermos defendendo nossos trabalhos pode ajudar a mudar o rótulo de "Malucos Aventureiros que não Querem Trabalhar" pelo de "Malucos Aventureiros que Querem Muito Trabalhar".

E embora eu saiba que, com esse documentário, não vamos escrever uma tese de mestrado com todas as respostas sobre a inevitabilidade da arte, eu tenho certeza de que na convivência com um artista que consegue conciliar tão bem o prazer e a felicidade pela vida com um complexo trabalho de criação, como o Fernando, nós vamos dar um enorme passo em direção a uma melhor compreensão de nós mesmos.

É claro, pressupondo que consigamos transformar esse documentário em algo que vá além do óbvio fácil e previsível. O que já é uma outra aventura.

Carlos Canela

sábado, 2 de agosto de 2008

Começando a Filmar (gravar)

Bom, um mês é tempo prá caramba de uma postagem para a outra, e, embora eu tenha mil desculpas prontinhas para justificar a pausa, não vou usar nenhuma. Afinal, isso já é assumidamente, um pós-blog de filmagens já meio torto de nascença.

Desculpas à parte, começamos finalmente a gravar (Ou filmar, como preferirem). Aliás, existe uma briguinha chatíssima entre produtores audiovisuais puristas que insistem em distinguir "filmar", quando se usa película e "gravar" quando se usa vídeo. Pouco me lixando prá regras, eu prefiro usar Filmar para ambos os casos, sem muita explicação. Mas já querendo explicar um pouco, eu acho que Gravar acaba ficando meio genérico para imagem, som, arquivos, etc, dado as origens latinas (ou gregas, sei lá) da palavra.

Não sei se dá prá perceber que sempre tem uma enrolação antes de cair no assunto tema da coisa. Acho que é porque sempre os bastidores, o por detrás das cortinas, é mais interessante que o tema em si.

Bom, dia 13 de janeiro começamos a filmar (gravar). Além do desconforto inicial da sensação primeira de desconfiança básica que rola quando se conhece alguém pela primeira vez (tanto do Nando com relação à gente e a gente com relação a ele), carregávamos conosco também uma sensação meio de culpa, já que o Nando estava com febre e se sentindo muito mal.

Aliás, um detalhe muito importante que não posso deixar de mencionar e que será um fator importante no desenrolar da montagem e na própria essência do documentário, é que o Nando nasceu com uma certa, digamos assim, desvantagem física que os médicos chamam de Moléstia Azul. Algo relacionado com a clássica função do coração (além de sustentar paixões) de filtrar o sangue que vai de um lado para o outro. Sendo mais claro (mas nem tanto, pois até hoje não entendo muito bem o que acontece), o sangue não é filtrado direito.

E essa doença é algo tão sério que hoje não existem (ou quase não existem) adultos com essa doença pois atualmente ela é diagnosticada e resolvida no bebê e as pessoas que tinham essa doença antigamente (e não se chamam Fernando Fiúza) parece que não conseguiram achar a chave do prazer intenso pela vida que os faria, além de todas expectativas, sobreviver.

Eu sei que parece um pouco estranho sabermos tão pouco de uma doença que esteve sempre tão presente na vida de alguém que estamos documentando (algo que cheira a amadorismo) mas na verdade prá gente basta a informação de que ela existe, que é séria e que existe muita vida apesar dela.

E aí que chegamos a onde eu pretendia quando disse que essa informação é importante, pois ela nos remete ao âmago do que pretendemos: escarafunchar (que é uma palavra que nem sei se existe mas que tem uma função genérica maravilhosa) qual é a função específica da arte na nossa busca pela vida.

Existe na sociedade humana (logicamente, pois animais felizmente ainda não se aventuraram na arte - o que é, aliás, uma boa pista) uma espécie de sacralização da arte e uma espécie de mistificação, uma idolatria meio que descontrolada do seu caráter meio que inexplicável. E isso me remete inexoravelmente (tenho que admitir, essa palavra eu tive que confirmar no dicionário prá ver se eu não estava falando bobagem - traduzindo: inflexivelmente - continuo sem ter certeza se ela serve) a uma sensação que tive quando perguntei à líder do grupo jovem da igreja católica que eu fazia parte (sim, cheguei até a rezar terço para doentes em hospitais): o que era fé.

Mais uma coisa que acabo de descobrir relendo o que havia escrito: esse blog é nada mais nada menos que um divã, prá poder desabafar e conseguir encontrar o fio condutor (ah, o velho fio condutor...) do que o documentário irá se tornar.

É mais ou menos o Fernando jogando pinceladas de tinta aleatórias na tela terrivelmente branca, buscando no vazio explícito, o grito que vai aliviar.

Esse papo já tá pedindo uma cerveja e como agora estamos proibidos de nos embriagar, vou me retirar, porque tem um divã me esperando em meu caixote particular. E, prá continuar a rimar, vou tentar, amanhã, continuar.

Canela(r)