sábado, 20 de março de 2010

A vida e a falta que ela faz

Bom, eu pretendia entrar e começar um assunto como quem deu uma saidinha e voltou, mas após um ano e quatro meses sem aparecer, isso demandaria uma cara de pau que eu sei que não tenho. Além do mais, relendo o que havia escrito antes me sinto na obrigação de finalizar o assunto.

Principalmente agora que o filme ficou pronto, que estamos com data marcada para lançá-lo e que a vida com toda suas diabruras de criança sem mãe, nos deu uma rasteira incompreensível, ou para ser mais claro, incomodamente compreensível.

Embora o sentimento acachapante do momento em que havia começado a escrever tenha se perdido um pouco, eis o que resta de tudo o que havia.

Eu falava de pieguismo, pieguice e a falta dela. Mas o que havia prá ser dito nesse sentido se foi com a raiva e com o tempo. Então vamos ficar no simples: foi um belo momento aquele encontro. Thiago leu um poema que o Nando havia escrito no hospital, escreveu um poema no seu próprio livro que ele havia comprado para o Nando e leu-o com a voz alta e possante de um guerreiro amazônico. Nando chorou a cada palavra lida e finalizou com uma gargalhada que só alguém que acredita que a vida vale mais do que se vê, pode dar.

Isso e mais uma centena de coisas - algumas felizmente registradas no filme, nos fazem crer que todas as vaidades, metáforas e alucinações pretensamente criativas não são absolutamente nada frente a sinceridade da vida.

Nando se foi e o filme de repente ficou pequeno, quase insignificante. Um grão de areia.

Uma poeira nesse universo imprevisível que brilha com uma intensidade sem igual.

sábado, 23 de agosto de 2008

Bom, como esse pós-blog-diário-de-gravação já virou um pré-nada-e-um-pós-coisa-nenhuma, vou interromper o fluxo narrativo da produção "tão bem organizado e cronológico" que eu vinha mantendo, para registrar um momento especial que aconteceu segunda-feira: o encontro do poeta Thiago de Mello com Fernando Fiúza.

Acho que ainda não falei, mas nós entrevistamos o Thiago de Mello no rio de Janeiro, há uns dois meses atrás. Autor de clássicos como o "O Estatuto do Homem" e "Faz escuro mas eu canto", Thiago é um dos grandes amigos de Nando.

Bom, cá estou de volta, embora ninguém tenha percebido que eu saí. É que essa maravilha da tecnologia, esse ápice do desenvolvimento humano, que gentilmente chamamos de micro, acabou de travar e, irritado, desliguei tudo. E, quando voltei aqui, para minha surpresa, o blog tinha gravado tudo o que eu já tinha escrito.

Sabem aquela sensação de desconforto que temos quando estamos em uma deliciosa viagem e ela é interrompida por um pneu que fura? Pois é, é o que me invade agora. E prá aproveitar a irritação, tem duas coisas que me irritam profundamente em qualquer forma de produção artística: a pieguice e o medo dela. (não desistam, porque isso tem a ver com o que comecei acima).

A pieguice, por motivos óbvios: é como alguém que se propõe a limpar a piscina que está um ano fora de uso, passa uma peneirinha na superfície e se convence de que o trabalho tá pronto. É o clássico "Lodo nos olhos" (que aliás, dá um bom nome prá alguma coisa), ou "olhar de morcego", que acha feio o que não é espelho e nem é som. Surrealismos, à parte, não precisamos ir muito além com essa irritação.

A outra forma (bem mais irritante, aliás), o medo da pieguice é um dos principais razões da atual fase de asfalto que passa a produção artística moderna. Não sei se asfalto é a melhor palavra, aliás, eu sei que não é, mas como eu morro de medo de ser piégas, eu tenho que usar uma palavra que não me significa muito (e, provavelmente, não vai significar muito para outros) mas ela vai me dar a margem para argumentar que burro é quem não entendeu e não quem não teve coragem de lamber o lodo do fundo da piscina. Deu prá entender?

Tudo de melhor que é feito ou já foi feito de arte em todos os tempos está sempre na fronteira entre o ridículo e o genial e aí que chegamos na reunião do Thiago com o Nando. Naquela reunião de um poeta (poeta mesmo, daqueles que carrrega consigo o estandarte da poesia e que conversa em versos métricos) de uns oitenta e poucos anos e uma artista plástico que, quando está em um hospital, passa a maior parte do tempo desenhando as enfermeiras com seus sorrisos e olhares curiosos. (é ponto mesmo)

O parágrafo tava ficando meio grande aí resolvi parar onde estava. Liberdade poética ou mesmo cansaço e sono excessivos. Quando o texto começa a parecer conversa de bêbado, tá na hora de parar. Apesar de eu, como meu único leitor, ter certeza de que vou ficar irritado ao ler essa postagem incompleta amanhã.

Abraços

Carlos Canela

domingo, 10 de agosto de 2008

Você quer arte prá quê?

Bom, já deu para perceber que não consegui continuar no dia seguinte. É engraçado essa sensação de estar conversando com ninguém que rola quando estou escrevendo aqui. Principalmente por não ter uma frequência nas publicações, acho que algum aventureiro que por acaso aparecer aqui vai acabar desistindo na próxima visita em que ele verificar que está tudo igual como era antes.

Bom, o que eu estava falando antes sobre a adoração meio que incondicional pela inexplicabilidade da arte, sempre me incomodou e agora mais recentemente tem incomodado mais ainda. Isso porque atualmente (nos últimos 10 anos pelo menos) eu tenho me envolvido muito com projetos culturais, essencialmente filmes, e também projetos relacionados a política cultural.

E se tem uma coisa que é irritante (ou talvez não irritante, mas incômoda) é quando alguém está apresentando uma justificativa para a necessidade de determinado projeto cultural e a argumentação é completamente vaga, cheia de floreios filosóficos que seriam lindos como uma obra de arte, mas meio que ineficientes como estratégia de convencimento, principalmente quando envolve uma maior quantidade de recursos.

Todo mundo sabe que a arte é importante, e todo mundo, mesmo que não admita, sente a sua falta, mas ela sempre fica associada mais a momentos de lazer e-ou prazer do que a algo mais indispensável para a sobrevivência.

Há pouco tempo atrás, em um projeto que propunha a criação de uma Agência Nacional do Audiovisual, já era evidente essa carência de argumentação. Enquanto os artistas gritavam que a arte era "essencial para o desenvolvimento do espírito humano", o presidente da Globo bradava que o projeto geraria um prejuízo de X milhões de reais por Mês. E o projeto foi, obviamente, massacrado pelos grandes milionários da produção audiovisual do país e fora dele.

Nosso ex-ministro da cultura Gilberto Gil certa vez disse que "o povo sabe o quer mas também quer o que não sabe". Isso, além de ser de uma beleza e de uma precisão extrema, diz muito do sentimento nosso com relação a todas as formas de arte.

Mas como fazer para convencer algum líder político, com toda a sensibilidade de um tiranossauro rex, que, ao invés de construir 50 escolas ele deve gastar esse dinheiro com a produção de um filme de longa metragem, a construção de um museu ou o apoio a um festival de música?

Eu sei que já deve ter gente irritada com o que estou dizendo aqui (pressupondo que alguém esteja lendo isso), mas eu já vi várias pessoas que vivem de fazer arte e que também acham que a arte realmente não é tão necessária assim.

Como eu sou radical nessa posição de que a arte deveria estar incluída na pirâmide de necessidades essenciais humanas, em algum lugar entre a necessidade de alimentação, sexo e abrigo, acho que a abertura de uma possibilidade maior de argumentação quando estivermos defendendo nossos trabalhos pode ajudar a mudar o rótulo de "Malucos Aventureiros que não Querem Trabalhar" pelo de "Malucos Aventureiros que Querem Muito Trabalhar".

E embora eu saiba que, com esse documentário, não vamos escrever uma tese de mestrado com todas as respostas sobre a inevitabilidade da arte, eu tenho certeza de que na convivência com um artista que consegue conciliar tão bem o prazer e a felicidade pela vida com um complexo trabalho de criação, como o Fernando, nós vamos dar um enorme passo em direção a uma melhor compreensão de nós mesmos.

É claro, pressupondo que consigamos transformar esse documentário em algo que vá além do óbvio fácil e previsível. O que já é uma outra aventura.

Carlos Canela

sábado, 2 de agosto de 2008

Começando a Filmar (gravar)

Bom, um mês é tempo prá caramba de uma postagem para a outra, e, embora eu tenha mil desculpas prontinhas para justificar a pausa, não vou usar nenhuma. Afinal, isso já é assumidamente, um pós-blog de filmagens já meio torto de nascença.

Desculpas à parte, começamos finalmente a gravar (Ou filmar, como preferirem). Aliás, existe uma briguinha chatíssima entre produtores audiovisuais puristas que insistem em distinguir "filmar", quando se usa película e "gravar" quando se usa vídeo. Pouco me lixando prá regras, eu prefiro usar Filmar para ambos os casos, sem muita explicação. Mas já querendo explicar um pouco, eu acho que Gravar acaba ficando meio genérico para imagem, som, arquivos, etc, dado as origens latinas (ou gregas, sei lá) da palavra.

Não sei se dá prá perceber que sempre tem uma enrolação antes de cair no assunto tema da coisa. Acho que é porque sempre os bastidores, o por detrás das cortinas, é mais interessante que o tema em si.

Bom, dia 13 de janeiro começamos a filmar (gravar). Além do desconforto inicial da sensação primeira de desconfiança básica que rola quando se conhece alguém pela primeira vez (tanto do Nando com relação à gente e a gente com relação a ele), carregávamos conosco também uma sensação meio de culpa, já que o Nando estava com febre e se sentindo muito mal.

Aliás, um detalhe muito importante que não posso deixar de mencionar e que será um fator importante no desenrolar da montagem e na própria essência do documentário, é que o Nando nasceu com uma certa, digamos assim, desvantagem física que os médicos chamam de Moléstia Azul. Algo relacionado com a clássica função do coração (além de sustentar paixões) de filtrar o sangue que vai de um lado para o outro. Sendo mais claro (mas nem tanto, pois até hoje não entendo muito bem o que acontece), o sangue não é filtrado direito.

E essa doença é algo tão sério que hoje não existem (ou quase não existem) adultos com essa doença pois atualmente ela é diagnosticada e resolvida no bebê e as pessoas que tinham essa doença antigamente (e não se chamam Fernando Fiúza) parece que não conseguiram achar a chave do prazer intenso pela vida que os faria, além de todas expectativas, sobreviver.

Eu sei que parece um pouco estranho sabermos tão pouco de uma doença que esteve sempre tão presente na vida de alguém que estamos documentando (algo que cheira a amadorismo) mas na verdade prá gente basta a informação de que ela existe, que é séria e que existe muita vida apesar dela.

E aí que chegamos a onde eu pretendia quando disse que essa informação é importante, pois ela nos remete ao âmago do que pretendemos: escarafunchar (que é uma palavra que nem sei se existe mas que tem uma função genérica maravilhosa) qual é a função específica da arte na nossa busca pela vida.

Existe na sociedade humana (logicamente, pois animais felizmente ainda não se aventuraram na arte - o que é, aliás, uma boa pista) uma espécie de sacralização da arte e uma espécie de mistificação, uma idolatria meio que descontrolada do seu caráter meio que inexplicável. E isso me remete inexoravelmente (tenho que admitir, essa palavra eu tive que confirmar no dicionário prá ver se eu não estava falando bobagem - traduzindo: inflexivelmente - continuo sem ter certeza se ela serve) a uma sensação que tive quando perguntei à líder do grupo jovem da igreja católica que eu fazia parte (sim, cheguei até a rezar terço para doentes em hospitais): o que era fé.

Mais uma coisa que acabo de descobrir relendo o que havia escrito: esse blog é nada mais nada menos que um divã, prá poder desabafar e conseguir encontrar o fio condutor (ah, o velho fio condutor...) do que o documentário irá se tornar.

É mais ou menos o Fernando jogando pinceladas de tinta aleatórias na tela terrivelmente branca, buscando no vazio explícito, o grito que vai aliviar.

Esse papo já tá pedindo uma cerveja e como agora estamos proibidos de nos embriagar, vou me retirar, porque tem um divã me esperando em meu caixote particular. E, prá continuar a rimar, vou tentar, amanhã, continuar.

Canela(r)

sábado, 28 de junho de 2008

Gravando: O Documentário, o anti-documentário e o anti-anti-documentário

Eu sempre fui da teoria de que se um artista consegue explicar muito bem o seu trabalho, ele (o trabalho ou o artista) é, no mínimo, suspeito. Os moderninhos defensores da Teoria da Racionalização que me perdoem, mas o que realmente fica de todo trabalho criativo é o fundo do pântano, o lado avesso da roupa, o detrás dos muros, o espaço entre o gaguejar e a fingida manifestação de segurança. O resto é ciência.

É evidente que digo isso para justificar minha incapacidade de ser mais claro, mas serve como introdução para uma boa conversa.

Hoje o documentário brasileiro atravessa uma fase de maturidade (ou maturização). No meio de um processo de quase "estudo" da linguagem documental, temos vislumbrado uma safra muito boa e contínua de documentários que se discutem e rediscutem, tentando abrir novas janelas para esse meio de comunicação que vinha se demonstrando um pouco engessado até então. Só que essas recentes viagens nesse mundo da linguagem documental tem gerado uma aberração, provavelmente criada pelos teóricos do processo criativo, que, meio que disfarçadamente, tenta delimitar e definir como será essa nova cara do documentário no Brasil (Vide regulamento do DOC-TV).

Assim, surgem vertentes como o anti-entrevistismo, a imagem falando por si, o som falando pela imagem, o não-dizer , que, apesar de funcionarem muito bem em vários momentos, não podem, de maneira alguma, adquirirem jurisprudência de lei.

Antes de começarmos os trabalhos no nosso documentário, discutimos bastante esse tipo de coisa, meio que assustados, primeiro pelo fato de que qualquer processo criativo acaba passando por essa espécie de limbo antes de adquirir uma cara própria. Depois porque sentíamos que pela própria personalidade do Fernando, que gosta de falar e fala bem, seria muito difícil escaparmos de fazer entrevistas. Muitas entrevistas.

O Duke já havia antecipado que não queria fazer um documentário experimental (eu já falei que estamos dirigindo juntos o documentário, não falei?). Agora, como mergulhar fundo no "processo do processo criativo" e na sua importância para a vida, sendo burocrático, catedrático e tradicional?

Como já havíamos definido que começaríamos o documentário mesmo sem ele ser aprovado na lei de incentivo, e tínhamos já a data de início marcada quando soubemos que fomos aprovados, decidimos abraçar a teoria da bóia e mergulhamos na corredeira sem saber onde íamos parar.

Hoje, depois de mais ou menos umas 30 entrevistas e quase chegando ao final das filmagens, estamos descobrindo (ou apenas confirmando um sentimento prévio) que toda essa teorização nada mais é do que ela sempre pareceu ser: pura e catedrática teoria.

Ser tradicional até o extremo e romper os limites do extremo da tradicionalidade é atualmente a nossa meta. É claro que se ninguém ouvir falar mais desse documentário poderá concluir, sem medo de errar, que nós descobrimos, ao mergulhar no fundo do mar, que debaixo da superfície
da água o que tem mesmo é agua. Mas de que adianta a possibilidade de mergulhar se já sabemos antecipadamente tudo o que vamos encontrar lá?

E dia 13 de janeiro, embalado por uma ressaca de minha festa de aniversário no dia anterior, começamos finalmente a gravar.

Carlos Canela




domingo, 22 de junho de 2008

Segue Fernando a Vida (mesmo)

Cara, até que tou (os puristas me perdoem, mas adoro escrever no popular) me divertindo com essa história de blog. Dá uma sensação de estar pixando palavrões e palavras de ordem em muros e viadutos, protegido pela anonimidade da madrugada. Você sabe que todo mundo vai ler, mas faz com a sensação de que isso nem é tão importante assim.

Bom, de volta ao título do documentário: quando o Duke veio nos apresentar a idéia do documentário, ele fez um comentário que eu achei que tinha tudo a ver com o que a gente tava pretendendo para o projeto: ele disse que certa vez ele comentou com o Fernando que seu nome parecia um gerúndio, como se ele (o nome) já fosse um processo em si.

Eu achei impressionante a idéia e fiquei elocubrando o que a gente poderia fazer com isso. Quando fomos fazer o projeto para a Lei Municipal eu sugeri o nome "Segue Fernando a Vida", que, mais por uma questão de urgência e tempo do que por uma aclamação da "genialidade" de uma idéia, acabou sendo aceito.

Tudo bem, eu sei que o nome mais parece nome de livro evangélico de auto-ajuda, mas a idéia principal contida nesse título, embora seja meio difícil de identificar, era, além do óbvio estímulo para prosseguir a vida a despeito de tudo, usar o gerúndio de um suposto verbo "Fernar".

Assim, "Segue Fernando a Vida" traria um significado mais complexo que seria a tradução desse verbo inexistente em algo como "devorar e reconstruir a vida com a maior intensidade possível". "Segue Fernando a Vida" seria então algo como "Segue devorando e reconstruindo a vida".

Como a primeira sensação sempre insiste em permanecer, o título atualmente se encontra meio que pendente, e vários outros já estão na lista de prováveis, com um, que não vou mencionar ainda por questões de segurança de estado, na preferência da platéia.

Pessoalmente ainda considero a primeira idéia boa, mesmo com a ambigüidade implícita (e, talvez, por causa dela). Mas com o avançar da montagem eu acho que poderemos ter maiores certezas com relação a isso.

Próximo capítulo: Gravando: O Documentário, o anti-documentário e o anti-anti-documentário.

Carlos Canela

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Segue Fernando a Vida

Pânico! Pânico! Desesperada ao descobrir que um dos diretores tem pânico de documentários, a equipe do documentário "Segue Fernando a Vida" invade a Carabina Filmes e rouba todo o material filmado até então. Com medo das retaliações, o diretor consegue escapar, levando consigo apenas seu exemplar da biografia de Buñuel, um disco arranhado do Nivaldo Ornelas (Trindade) e sua carteira de identidade (para se garantir que ainda tem uma). Os mais otimistas acreditam que ele jamais voltará a fazer filmes novamente.